Ex-técnico em eletrônica cria cooperativa para dar destino a
computadores e celulares velhos em São Paulo. Só que, por falta de
informação da população, opera abaixo da capacidade
SÃO PAULO – O carro está com o banco de trás e o porta-malas cheios.
Há uma torre de um computador de 15 anos, caixas cheias de CDs e DVDs
velhos, outra caixa com pilhas usadas, extensões mortas, uma antiga
secretária eletrônica e um roteador apagado. Resíduos tecnológicos
acumulados nesses 15 anos. Em 20 minutos, havia me livrado de tudo.
O destino foi a Coopermiti, única cooperativa especializada em lixo
eletrônico de São Paulo. Fica numa rua secundária da Barra Funda.
Chegando no local, o processo de me livrar da carga foi bem rápido e
fácil. Meus velhos objetos se juntaram a outros milhares.
Andando pelo galpão de 2 mil metros quadrados, é impossível não se
impressionar com as enormes caixas, divididas por categoria. Uma estava
lotada de mouses. Outra tinha placas de circuito impresso. Uma mais
adiante cheia de teclados. E uma só com consoles Xbox. Ao fundo, um
pequeno museu, com um telefone de discar, videogames antigos e TVs do
tempo do Chacrinha.
No outro lado do galpão, imensas gaiolas prendem montanhas de
monitores e telas. Passariam por alguma instalação de arte de vanguarda,
daquelas que querem denunciar o caráter descartável da sociedade
tecnológica.
Pessoas sentadas em bancadas desmontam pacientemente os aparelhos.
Bate certo desespero quando passo perto de uma torre de computador sendo
desconstruída em dezenas de partes, algumas delas com minúsculos
parafusos e componentes de plástico. São centenas de peças em milhões de
máquinas ao redor do mundo. Este é o tamanho do desafio do lixo
eletrônico.
Alex Pereira, presidente da Coopermiti, conta que a cooperativa
existe desde 2008. O projeto original era o de um museu de tecnologia.
Mas o plano não conseguiu arrecadar fundos. Alex pensou então em fazer
algo com caráter educacional. A ideia teve origem em seu trabalho
anterior, de técnico em eletrônica.
“Aprendi muito mexendo em tecnologia antiga. Toda oficina de conserto
tem um equipamento velho para você reaproveitar peças. Aí está a base
da tecnologia”, diz Pereira, que viu nos objetos ferramentas de
capacitação e ensino técnico.
A Coopermiti opera abaixo da capacidade mensal de 100 toneladas desde
o primeiro dia em que abriu. Seu pico, no ano passado, foi 40%. Em
janeiro, tinha caído para 30%. Por conta disso, os cooperados recebem
hoje em média entre R$ 700 e R$ 800 por mês.
Pereira garante que já procurou parcerias com empresas de tecnologia e
eletrônicos, mas sempre deu com portas fechadas. “Conseguimos apoio na
prefeitura de São Paulo, que nos cedeu o local, luz, água e caminhão com
motorista para coleta.” Com a mudança na administração municipal, ele
ainda não sabe se a parceria será mantida.
O curioso é que a Coopermiti não recicla o lixo eletrônico gerado
pela prefeitura, cuja destinação Pereira não sabe dizer qual é. Do mesmo
modo, “os eletrônicos que eles pegam na coleta seletiva não vêm pra
gente”.
Além do recebimento de resíduos na própria sede, a cooperativa também
faz coleta dentro do município de São Paulo. Se a quantidade na sua
casa justificar, uma retirada pode ser agendada. Pereira sugere que
vizinhanças se mobilizem para acumular material o suficiente. A
cooperativa também recebe lixo coletado de postos de empresas parceiras,
como os shoppings Santana e Continental.
Hoje, a Coopermiti só não fica no vermelho por causa do apoio de uma
indústria de reciclagem japonesa. A empresa compra resíduos da chamada
“linha verde” para extrair metais nobres e raros. “Poucas empresas no
mundo têm tecnologia para isso, no Brasil nenhuma. Essa empresa nos
apoia como projeto social. Paga à vista e compra o que coletamos”, diz
Pereira. O material inclui placas de computador, roteador, memórias e
componentes de telefones. No total, são quase cinco toneladas por mês.
Para Pereira, o principal entrave para que a Coopermiti consiga
reciclar mais é a “falta de divulgação”. Ele acredita que a população
usaria muito mais o local se soubesse de sua existência.
O pensamento coincide com o que contou ao Link Carlos Silva
Filho, diretor executivo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza
Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Para Silva, a grande maioria da
população faria a destinação correta se fosse estimulada e tivesse as
condições. A conclusão veio a partir de uma pesquisa que mostrou que 89%
dos usuários dos postos de coleta da Abrelpe preferiam guardar velhas
peças em casa do que jogá-los em qualquer lugar.
Não é todo mundo que entende as regras. Pereira conta que na
Coopermiti já houve problemas com a entrega de TVs de tubo. O velho
sistema de TV precisa passar por uma descontaminação especial. Para
isso, a cooperativa cobra uma taxa de custo de R$ 5. “Muitos se recusam a
pagar, dizem que por sermos ‘da prefeitura’ temos de pegar de graça. E
saem falando que vão jogar a TV na rua mesmo.”
Relatório de 2010 da ONU aponta que Brasil é o terceiro país que mais
joga fora televisores, perdendo apenas para México e China. O mesmo
levantamento diz que o Brasil descarta 96,8 mil toneladas de
computadores por ano e 17,2 mil toneladas de impressoras. Segundo o
relatório, o Brasil é também o segundo maior gerador de lixo proveniente
de celulares, com 2,2 mil toneladas por ano, perdendo apenas para a
China.
As alternativas para o descarte correto desse lixo ainda são poucas.
Enquanto isso, a rotatividade de nossos aparelhos não dá sinais de
arrefecer. Uma projeção recente feita pela Samsung mostra que, em 2013,
50% dos celulares brasileiros serão smartphones, que ficarão mais
acessíveis para faixas da população com renda menor.
Esse dado se relaciona com um levantamento feito pelo Clube Pitzi,
empresa de seguro para celulares, que mostra que 50% dos usuários
pretendem trocar de celular num período de seis meses a dois anos.
Pereira cita um estudo da USP que diz que cada residência tem cerca
de três equipamentos eletrônicos aguardando destinação. “Se juntar tudo
isso com a população de São Paulo, você vai ver que não estamos fazendo
nem cosquinha. Mesmo se estivéssemos operando em capacidade máxima, a
cidade precisaria de umas 20 Coopermitis.”