Frequentemente
no jornalismo somos instados a tratar da vida real do leitor. Pois,
na minha opinião, não existe nada mais vida real do que as mudanças
climáticas, apesar de muita gente achar que se tratam somente de
simulações que mostram problemas que vão ocorrer, quem sabe, no
final deste século – quando a maioria dos viventes já não estará
mais aqui pra contar história. Sem se lembrar dos milhares de
eventos extremos que ocorrem todos os anos e que a ciência diz que
são indicativos do aquecimento global que já estamos vivenciando.
A
tendência é só piorar.
Diversos
estudos novos lançados desde o final do ano passado mostram que no
ritmo com o qual o mundo está lidando com suas emissões de gases de
efeito estufa, a temperatura média até o final do século pode ser
4°C maior que a o planeta tinha no início da Revolução
Industrial. Suficiente para que os estragos atuais sejam comparados a
mera garoa de fim de tarde.
Publico
abaixo uma entrevista que fiz na quinta passada com a costa-riquenha
Christiana Figueres, secretária executiva da Convenção do Clima da
ONU, que esteve no Brasil para alinhar com o governo sua posição
nas negociações internacionais.
O
órgão coordena as famosas COPs (Conferência das Partes), encontros
anuais que reúnem 192 países com o objetivo de tentar elaborar um
acordo até 2015 para reduzir as emissões de gases de efeito estufa
a fim de evitar um aquecimento superior a 2°C até o final do
século, aumento considerado limite para evitar as mudanças mais
catastróficas. São reuniões que tendem a parecer bastante
frustantes, mas ainda são a melhor maneira de chegar a um acordo
sobre o qual todas as nações tenham voz e estejam dispostas a
segui-lo. O grande problema é que é tudo lento. Muito lento.
“Se
o mundo não enfrentar a mudança climática em tempo hábil, os
tipos de desafios subjacentes à inquietação que estamos vendo no
Brasil serão exacerbados em todo o mundo”, me disse Christiana.
Uma ideia cogitada enquanto via Brasília tomada pela população.
Nas COPs sempre há um protesto ou outro, mas nada que tenha parado a
cidade sede, por exemplo. Em Doha, Catar, no ano passado, o povo foi
às ruas pela primeira vez na história do país justamente para
pedir ação. Foi bastante simbólico para eles, mas discreto. Veja
aqui.
Protesto
na COP em Doha, no final de 2012, pediu ação do povo árabe.
Crédito: Giovana Girardi
No
ano passado, na Rio+20, também houve algumas manifestações. Leves,
no entanto, perto do que estamos vivenciando agora. Realmente seria
bem bacana se o povo tomasse cidades do mundo inteiro pedindo redução
das emissões já! Como a própria Christiana lembra, a melhoria do
transporte coletivo também tem isso como consequência. Veja a
seguir a entrevista:
Nos
últimos anos, todas as conferências do clima da ONU terminam com a
sensação de fracasso. Os países ainda não parecem estar decididos
a fazer reduções mais expressivas de suas emissões. E a situação
climática só tem piorado. Em maio, a concentração de dióxido de
carbono na atmosfera ultrapassou a marca perigosa de 400 ppm. A sra.
ainda acredita que o mundo conseguirá se manter abaixo dos 2°C de
aumento da temperatura?
Muitos
estudos de fato dizem exatamente o mesmo: se seguirmos no passo em
que estamos, não vamos ficar em 2°C, mas chegar a 3,6°C ou 4°C.
Porém, todos os estudos também dizem que esse não é o final da
história. A verdade é que temos as tecnologias e temos o capital
para mudar a projeção das emissões de gases. Podemos ficar nos 2°C
se houver vontade política coletiva. Acho que os países estão
caminhando na direção correta, mas não na velocidade que é
necessária. Mas mais recentemente os governos têm se dado conta de
que sozinhos não vão poder solucionar isso e estão abrindo espaço
para todos que possam contribuir com uma solução. Muitas cidades do
mundo têm levado a cabo projetos impressionantes de mitigação e
adaptação e que são mais ousados do que tem se logrado em nível
nacional. Ao dar reconhecimento a esses esforços sub-nacionais, se
começa a formar um círculo virtuoso de abertura de espaço político
para que os governos nacionais possam chegar ao acordo.
Recentemente
alguns países criaram o “clube das renováveis” para incentivar
iniciativas nesse sentido. É desse tipo de atitude a que a sra. se
refere?
Esse
clube de renováveis que se formou é exatamente uma das iniciativas
a que eu fiz alusão. Além das soluções sub-nacionais, há muitas
internacionais, como a desse caso. É um grupo de países que
entendem que ter uma participação maior das renováveis na matriz
energética não só contribui para reduzir a mudança climática
como contribui para sua segurança econômica e energética. É algo
que tem de se fomentar porque se a motivação é dupla – tanto
fortalecer a economia nacional quanto contra o câmbio climático –,
então existem mais possibilidade de jogar a uma velocidade de
solução que é necessária. Por isso está havendo um grande
esforço de reconhecer esse tipo de aliança e iniciativa.
Qual
foi o principal motivo de sua viagem ao Brasil? Que papel a sra.
espera que o País poderá desempenhar nas negociações para ajudar
as outras nações a chegar a um novo acordo climático?
Acredito
que o Brasil pode desempenhar vários papéis. O primeiro, claro, é
de baixar suas emissões mais do que já fez.O Brasil já fez um
grande esforço, sobretudo em reverter o desmatamento, e nisso é um
exemplo no mundo em algo que parecia inviável. Mas ainda há outros
setores que o Brasil têm potencial de reduzir suas emissões. Assim
como todos os outros países do mundo. Nenhum deles está baixando
todas as emissões que pode. Todos têm de fazer um esforço maior.
Ao fazer esse esforço, o Brasil pode servir como modelo para outros
países emergentes, exportando a capacidade e a tecnologia com as
quais tem baixado suas emissões. Em terceiro, há um papel que o
Brasil pode desempenhar nas negociações, construindo uma ponte
entre os países industrializados, que têm responsabilidade
histórica pela alta concentração de CO2 na atmosfera, e os em
desenvolvimento, que têm responsabilidade futura. O Brasil está
justamente no meio desses dois universos.
Nesta
reunião, houve algum pedido para que o Brasil faça mais?
Não,
o Brasil tem estado sempre comprometido com o tema das mudanças
climáticos e tem desempenhado um papel nas negociações. Mas se
trata de seguir buscando oportunidades. Há espaço para fazer muito
mais, como no setor energético, mantendo sua matriz limpa e
aumentando a eficiência energética. E no agrícola, porque há uma
grande quantidade de práticas que podem reduzir as emissões do
setor. Além de atuar no manejo de resíduos sólidos nas grandes
cidades, em que também há oportunidades para baixar as emissões de
metano.
A
sra. chegou à Brasília bem no meio de calorosos protestos causados
em boa parte por insatisfação com o governo. Acredita que a falta
de ações mais ousadas de todos os países contra as mudanças
climáticas pode acabar provocando, um dia, este tipo de mobilização?
Acho
que se o mundo não enfrentar a mudança climática em tempo hábil,
os tipos de desafios subjacentes à inquietação que estamos vendo
no Brasil serão exacerbados em cada país. Ao mesmo tempo, é
importante notar que algumas das medidas que devem ser tomadas para
enfrentar as mudanças climáticas, como um transporte mais
sustentável, também pode ajudar a melhorar a qualidade de vida,
especialmente nas grandes cidades em todo o mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário